"Imagine que um dia você descubra que uma grande amiga das redes sociais, que, assim como você, viajou para Buenos Aires no ano passado, casou-se em abril em uma festa na praia, curte rock das antigas e tem um labrador caramelo, seja, na verdade, um jovem universitário barbudão contratado por uma campanha com um único objetivo: te convencer a votar na candidata X ou no candidato Y.
Agora
imagine que esse jovem controle, além da sua amiga loira bonita de
olhos azuis, outros cinco perfis, que possuem vidas, sonhos e histórias
próprias, tudo criado para esse mesmo fim.
Como diria Morpheus, o icônico personagem de Laurence Fishburne, da trilogia Matrix: O que é real? Como você define o real?
Todo
mundo já ouviu histórias de perfis em redes sociais que existem para
promover ou desconstruir reputações e que são controlados por
profissionais. Então, acredite, tudo o que vocês podem ter ouvido não é
nada comparado com a realidade.
Ao contrário do que se pensa, os
trolls raivosos que babam e cometem ignomínias são uma parte pequena e
boba desse processo. Os profissionais não ficam elogiando cegamente seu
candidato ou atacando loucamente o adversário, mas são guiados por
pesquisas comportamentais e pela análise da estratificação da população,
desenvolvem equipes de “semeadores de ideias'' para atingir os
eleitores e usam softwares capazes de detectar a difusão de opinião na
web, para agir imediatamente, barrando o que é ruim e promovendo o que é
bom.
O que uns chamam de “trolagem'', na verdade, é uma ciência.
Consegui entrevistar um dos fundadores de uma dessas empresas, que me explicou como funciona o processo.
Paulo
(é óbvio que o nome foi alterado para preservar sua identidade) é
diretor de uma empresa especializada na construção de reputações na
internet. Seu trabalho é fazer com que marcas, sejam elas de empresas ou
pessoas, tornem-se não apenas conhecidas, mas também respeitadas e
admiradas. Em períodos eleitorais, campanhas políticas o contratam para
fazer o mesmo por seus candidatos. Atua em duas frentes: na principal e
visível, ele ergue o político contratado. E, secundariamente e com
máxima discrição, desconstrói o discurso de seus adversários.
Os
dois grupos – de construção e desconstrução – atuam de forma
independente e separados um do outro em uma campanha eleitoral. No
primeiro, os perfis usados são reais, de pessoas da sua equipe. No
segundo, um grupo de cinco pessoas controla meia dúzia de perfis cada –
perfis criados especialmente para isso.
Quem elogia não bate. Quem bate não elogia.
As
duas equipes são chamadas de “seeders'' (semeadores, em inglês) e têm o
objetivo de disseminar conteúdo sobre os candidatos como pessoas comuns
fariam.
Uma coisa é uma fanpage de um candidato distribuir
notícia. A outra é uma pessoa comum fazer isso circular, interagindo e
debatendo com os outros internautas sobre aquele conteúdo, demonstrando
dúvidas, avançando, retrocedendo, construindo junto. Essa relação
humanizada é o que torna eficaz a conquista de votos.
Paulo
realiza constantemente um mapeamento digital das páginas que tratam de
política, sejam elas de veículos jornalísticos, pessoas ou instituições,
e do comportamento delas. Os seus semeadores se conectam a essas
páginas e a uma série de outras listas e grupos – cada perfil chega a
participar, muitas vezes, de 100 ou 200 listas de discussão ao mesmo
tempo.
Ferramentas digitais possibilitam que comentários feitos
por esses perfis, verdadeiros ou fakes, sejam publicados em todas essas
listas ao mesmo tempo, disseminando informações positivas sobre o seu
candidato ou negativas sobre o adversário. Nesse ponto, ele faz questão
de ressaltar que não faz trolagem violenta ou mentirosa. “Não dissemino
calúnia, nem invento histórias.''
Até porque, segundo ele, isso
traz outro problema. Sua empresa não é a única que presta esse serviço
no mercado. Paulo explica que, durante a campanha, uma das empresas
contratadas pela candidata adversária fazia a mesma coisa que ele. É
possível, usando algumas ferramentas, detectar a repetição de postagens
em perfis semelhantes e, através da checagem de IPs, perceber que se
trata de perfis fakes. Quando isso acontece, esses perfis podem ser
denunciados para a rede social, que os tira do ar. “Durante esta
campanha, tiramos vários perfis falsos da campanha da adversária do ar,
mas eles não conseguiram tirar nenhum nosso.''
Antes, segundo ele,
eram necessárias de 30 a 40 denúncias para derrubar um perfil falso.
Hoje, com apenas duas o Facebook – a principal plataforma onde ocorre
essa disputa digital – já solicita para o perfil alguma forma de
comprovação de que ele realmente pertence a uma pessoa de carne e osso.
O
rastreamento de um perfil falso nem sempre é simples. Muitas vezes, os
seeders atuam via acesso remoto – através de seus computadores, eles se
conectam a uma máquina virtual que está em outro país (normalmente que
não possui legislação para liberação de informações compatível com as
leis brasileiras). Nada fica registrado no terminal por aqui, garantindo
segurança e anonimato.
Opta-se também por utilizar sistemas que
interpõem dezenas de roteadores ao servidor de origem. Ou seja, mesmo
que consigam descobrir o servidor de postagem, ele não é o que foi
utilizado realmente pelo operador.
Existe toda uma ciência por
trás da criação e manutenção de perfis. Bons perfis não são criados da
noite para o dia e desativados após as eleições. Existem
indefinidamente, com suas vidas próprias, sendo alimentados
constantemente pelos profissionais contratados por essas empresas. Dessa
forma, parecem ser pessoas reais, com gostos, medos, preferências,
preconceitos, virtudes, enfim, como você e eu.
Sim, alguns de seus
amigos digitais, talvez algum daqueles que você nunca viu pessoalmente,
podem existir apenas na rede social com o objetivo de te vender algo ou
alguém.
A criação desses perfis não é aleatória mas decorrente de
análises de grupos sociais. Pode ter um Lineu, uma Nenê, um Tuco, uma
Bebel, um Agostinho e até um Beiçola, com suas características e
personalidades. De acordo com cada área de atuação, muda o grupo de
perfis. E, como já disse, eles se casam, fazem aniversário, torcem para
times de futebol, participam de grupos e fazem amigos.
Uma
curiosidade: segundo Paulo, quanto mais esteticamente bonito for o
personagem do perfil fake, seja homem ou mulher, mais amigos e amigas
consegue conquistar.
Cada um dos “operadores'' dá vida a um grupo
de perfis, incorporando os personagens. Entre os contratados para a
tarefa, estão estudantes universitários com excelente texto e cultura
geral, com boas sacadas e resposta rápida, capazes de convencer através
de sua atuação. Recebem em torno de R$ 5 mil/mês no período eleitoral,
quando o trabalho é mais intenso.
As táticas são as mais variadas
no caso de desconstrução. Para entender até onde vai o nível de
refinamento, há casos em que os seeders passam a campanha inteira, ou
seja, meses, apoiando loucamente o candidato adversário e lutando por
ele contra o seu próprio candidato.
Um pouco antes da eleição, o
perfil começa a refletir, junto às listas de discussão do qual faz
parte, que aquela proposta de educação do adversário, por exemplo, é
interessante. Aos poucos, vai alterando a sua opinião, expondo
publicamente essa reflexão de mudança, até que se convence que o melhor
é, na verdade, o próprio candidato contratado pela empresa. Vira a
casaca publicamente e traz muitos votos consigo.
As pessoas que se
identificavam com ele e também estão cheias de dúvidas acreditam que
ele passou por um processo genuíno de convencimento baseado em fatos e
vão junto com ele.
Se não acredita que esse comportamento de
manada funcione, uma sugestão: vá para uma praça no centro de São Paulo
com um grupo de uns dez amigos e comece a tirar fotos com um deles como
se ele fosse uma celebridade. Finjam que nenhum de vocês conhece um ao
outro. Verá que, em pouco tempo, aparecerá uma ou duas pessoas que,
mesmo desconhecendo o sujeito, também vão querer ser fotografadas com
ele.
Segundo Paulo, a difusão de conteúdo na internet baseia-se em
dois pilares: relevância (você precisa ser bom naquilo que fala) e
autoridade (as pessoas precisam reconhecer isso, através de links,
curtidas, compartilhamentos). “Nós criamos autoridade'', explica.
Por
vezes, os perfis – tanto os reais da equipe de construção, quanto os
fakes da equipe que atua na desconstrução, se juntam para corroborar uma
opinião do grupo – ou apoiar ou criticar fortemente a opinião de alguém
de fora. Questionamentos fortes não ficam sem resposta, nunca,
principalmente se, no mapeamento, a página ou perfil que postou a
informação possui relevância na rede e é formador de opinião.
Essa
é apenas uma pontinha de um imenso iceberg que é a atuação de uma
campanha na internet. O interessante é que praticamente todos os
candidatos a cargos relevantes usam esse serviço, para construir, para
se proteger, para desconstruir. E elas causam um impacto gigante. “A
internet tem um melhor custo-benefício que a TV e, hoje, causa muito
mais impacto para uma campanha, mas recebe bem menos recursos'', afirma
Paulo.
Para ele, desconstruir reputações é mais fácil, sempre, do
que construir. Mas não se desconstrói uma reputação com musculatura em
pouco tempo, ou seja, no tempo de uma eleição. A credibilidade de um
candidato, o seu patrimônio político, é garantido pela importância do
que ele faz e pelo reconhecimento público disso. Esse tipo
reconhecimento, estruturado em rede, não se constrói do zero ou se
destrói profundamente de um dia para outro.
“Se os políticos
fizessem apenas metade do que deveriam fazer já estavam reeleitos. O
problema é que gastam milhões durante a campanha eleitoral para
convencer os outros que fizeram o que realmente deveriam ter feito. São
muito burros'', avalia.
By Leonardo Sakamoto*
*Leonardo Sakamoto é jornalista e doutor em
Ciência Política. Professor de Jornalismo na PUC-SP, é coordenador da
ONG Repórter Brasil e blogueiro do UOL.
NOTA
Mais informações sobre o uso de "robôs" na eleição, vc. pode encontrar aqui:
http://www.folhapolitica.org/2014/03/criminosos-virtuais-realizam-ataques-de.html
http://www.blogdacidadania.com.br/2014/09/sem-militancia-na-rede-aecio-usa-robos-indianos-e-sul-coreanos/
http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:9VQod0zlG4UJ:www1.folha.uol.com.br/fsp/especial/188299-eu-robo.shtml+&cd=12&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br
http://balcaodainternet.com.br/marketing-social
Fonte:
http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2014/10/09/como-perfis-do-facebook-sao-usados-para-conquistar-seu-voto-nas-eleicoes/
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